Desembucha, meu filho
Por Lipedal || 01:31:00 || 2 de mai. de 2006
Doutor, como você já sabe, viajei para Santa Maria na sexta-feira, para passar uns dias com minha namorada. Foram três dias maravilhosos, com a namorada que eu pedi a Deus. Aprendi até a fazer arroz, polenta e pão-de-queijo. Minha única reclamação é que o rádio tocava "Check on it", da Beyoncé, umas 3 vezes por dia.
Mas eu não vim ao consultório pra falar das partes boas do passeio. Eu vim pra desabafar, doutor, sobre a viagem de volta pra Santo Ângelo.
Comprei a passagem ainda no sábado, pra garantir meu banco para segunda-feira. Eis que chegou o dia e, em meio a berros e choradeiras, emo é teu vô, entrei no ônibus. 19, 20, 21, 22, 23... 24. Ocupada. Havia dois marmanjos dormindo no que era pra ser minha poltrona, de acordo com o que dizia a passagem. Eu nem sabia que a procura pela 24 tava tão grande. Voltei alguns lugares e sentei ao lado de um cara lá pela poltrona 16. Mandei beijos pra Bibi da janela do ônibus, por cima do carinha que fez a gentileza de não me tirar a tapas de lá.
Esperei o cara dormir, chorei um pouco, emo é teu vô, e dei uma cochilada. Acordei uma hora e meia depois, mais precisamente às 17:15. O ônibus havia chegado em uma cidadezinha, esvaziando algumas poltronas. Duas ao meu lado foram preenchidas rapidamente por uma velha e sua adorável netinha. A voz da menina fez renascer com força a dor de barriga que me atormentava em diferentes graus de intensidade desde sexta. Junte a terrível sensação "se peidar caga" com uma garota que surgiu das profundezas do inferno pra atormentar os viajantes, e você terá uma viagem nada agradável.
1.
- Vó, viu vó, viu vó. Eu consegui erguê o banco, viu vó. Agora eu tô mais sentada, viu vó!
- Hmm...
- Viu vó, como eu faço pra baixá o banco, hein vó?
- Aperta o negocinho que tu apertou pra erguer.
- Vó, não tá dando, não tá dando. Eu aperto mas não vai, vó, é que eu quero se deitá, viu vó.
2.
- Vó, ó lá, aquela poltrona aí tem o número nove, vó!
- Hmm...
- E eu vô fazê nove anos ano que vem, vó!!!
- Ó...
- Que legal, né?
3.
- Vó, ó lá, tem ruínas lá fora!
- Não são ruínas, querida, é um cemitério.
- Ah, não é ruínas?
- Não.
- Hmm, e eu achando que era ruínas hahahaha!
- Hehe.
- Mas eu tava achando que era ruínas, mas eu ia dizê que era cemitério, porque tem a cruz lá, viu vó.
4.
- Viu vó, viu vó, qué batatinha?
- Não, já comi.
- Viu vô, viu vô, qué batatinha?
- O vovô tá dormindo, querida.
- Viu vó, qué batatinha?
5.
- Você é um negão de tirá o chapéu / Não dá pra dá mole senão você créu.
- Aprendeu a música, querida!
- Sim, vó. A mulher no show faz assim, vó.
Nesse momento a garota levantou, escorou no banco da frente e fez um gesto demasiado obsceno pra ser descrito aqui.
E assim foi até as 18:45. O tempo transcorrido não seria tão ruim, exceto pelo fato de que eu não conseguia dormir de modo algum com a menina falando incessantemente. Isso, somado ao fato de que a garota informava o horário aos passageiros a cada cinco minutos, fez com que uma hora e meia parecesse ter a duração de uma viagem de pedalinho daqui até a Nova Guiné.
Finalmente paramos em Ijuí, onde um monte de gente desceu, liberando espaço no ônibus. Saltei pras poltronas do fundo, o mais longe possível da menina. Nem pensei em ir para o assento 24, fui direto para o que pareceu mais longe. A dor de barriga me matava, mas agora finalmente eu ia poder dormir com dois lugares só pra mim.
Dez ou quinze minutos depois, um monte de gente entrou no ônibus, rumo a Santo Ângelo. Mais gente do que antes. Lembrei que eu podia estar ocupando o espaço de alguém, então fui rapidamente para a poltrona 24. O que eu não tinha percebido é que a 23 abrigava um homem nada amigável, fedendo bastante, cuja simpatia fazia o Frankestein parecer o Stuart Little. Lembrei que a menina de antes fazia esse cara parecer o Stuart Little, então no fim das contas saí no lucro.
Me acomodei na poltrona e fiquei assistindo ao fluxo de pessoas. Já tava quase lembrando que eu sabia dormir em ônibus, quando uma família se acomodou nas vagas ao lado. Um homem, uma mulher e, oh meu Deus, duas crianças. Por muita sorte minha, essas conversavam baixinho. Também incessantemente, mas baixinho. Olhei com o canto do olho para o cara ao meu lado, ele tava acordadão. Olhei no relógio, 19:00. A dor de barriga persistia mais forte. "Ah, quer saber? Vou tentar dormir."
Aí sentou uma menina toda vestida de rosa na poltrona da frente, com um piercing na sobrancelha e uma bolsa de marca. Puxou o discman da mala, colocou os fones no volume máximo e começou a ouvir "Check on it", da Beyoncé. Cheguei à conclusão de que nada pior podia acontecer, e brinquei de prender a respiração durante o resto da viagem.
Mas eu não vim ao consultório pra falar das partes boas do passeio. Eu vim pra desabafar, doutor, sobre a viagem de volta pra Santo Ângelo.
Comprei a passagem ainda no sábado, pra garantir meu banco para segunda-feira. Eis que chegou o dia e, em meio a berros e choradeiras, emo é teu vô, entrei no ônibus. 19, 20, 21, 22, 23... 24. Ocupada. Havia dois marmanjos dormindo no que era pra ser minha poltrona, de acordo com o que dizia a passagem. Eu nem sabia que a procura pela 24 tava tão grande. Voltei alguns lugares e sentei ao lado de um cara lá pela poltrona 16. Mandei beijos pra Bibi da janela do ônibus, por cima do carinha que fez a gentileza de não me tirar a tapas de lá.
Esperei o cara dormir, chorei um pouco, emo é teu vô, e dei uma cochilada. Acordei uma hora e meia depois, mais precisamente às 17:15. O ônibus havia chegado em uma cidadezinha, esvaziando algumas poltronas. Duas ao meu lado foram preenchidas rapidamente por uma velha e sua adorável netinha. A voz da menina fez renascer com força a dor de barriga que me atormentava em diferentes graus de intensidade desde sexta. Junte a terrível sensação "se peidar caga" com uma garota que surgiu das profundezas do inferno pra atormentar os viajantes, e você terá uma viagem nada agradável.
1.
- Vó, viu vó, viu vó. Eu consegui erguê o banco, viu vó. Agora eu tô mais sentada, viu vó!
- Hmm...
- Viu vó, como eu faço pra baixá o banco, hein vó?
- Aperta o negocinho que tu apertou pra erguer.
- Vó, não tá dando, não tá dando. Eu aperto mas não vai, vó, é que eu quero se deitá, viu vó.
2.
- Vó, ó lá, aquela poltrona aí tem o número nove, vó!
- Hmm...
- E eu vô fazê nove anos ano que vem, vó!!!
- Ó...
- Que legal, né?
3.
- Vó, ó lá, tem ruínas lá fora!
- Não são ruínas, querida, é um cemitério.
- Ah, não é ruínas?
- Não.
- Hmm, e eu achando que era ruínas hahahaha!
- Hehe.
- Mas eu tava achando que era ruínas, mas eu ia dizê que era cemitério, porque tem a cruz lá, viu vó.
4.
- Viu vó, viu vó, qué batatinha?
- Não, já comi.
- Viu vô, viu vô, qué batatinha?
- O vovô tá dormindo, querida.
- Viu vó, qué batatinha?
5.
- Você é um negão de tirá o chapéu / Não dá pra dá mole senão você créu.
- Aprendeu a música, querida!
- Sim, vó. A mulher no show faz assim, vó.
Nesse momento a garota levantou, escorou no banco da frente e fez um gesto demasiado obsceno pra ser descrito aqui.
E assim foi até as 18:45. O tempo transcorrido não seria tão ruim, exceto pelo fato de que eu não conseguia dormir de modo algum com a menina falando incessantemente. Isso, somado ao fato de que a garota informava o horário aos passageiros a cada cinco minutos, fez com que uma hora e meia parecesse ter a duração de uma viagem de pedalinho daqui até a Nova Guiné.
Finalmente paramos em Ijuí, onde um monte de gente desceu, liberando espaço no ônibus. Saltei pras poltronas do fundo, o mais longe possível da menina. Nem pensei em ir para o assento 24, fui direto para o que pareceu mais longe. A dor de barriga me matava, mas agora finalmente eu ia poder dormir com dois lugares só pra mim.
Dez ou quinze minutos depois, um monte de gente entrou no ônibus, rumo a Santo Ângelo. Mais gente do que antes. Lembrei que eu podia estar ocupando o espaço de alguém, então fui rapidamente para a poltrona 24. O que eu não tinha percebido é que a 23 abrigava um homem nada amigável, fedendo bastante, cuja simpatia fazia o Frankestein parecer o Stuart Little. Lembrei que a menina de antes fazia esse cara parecer o Stuart Little, então no fim das contas saí no lucro.
Me acomodei na poltrona e fiquei assistindo ao fluxo de pessoas. Já tava quase lembrando que eu sabia dormir em ônibus, quando uma família se acomodou nas vagas ao lado. Um homem, uma mulher e, oh meu Deus, duas crianças. Por muita sorte minha, essas conversavam baixinho. Também incessantemente, mas baixinho. Olhei com o canto do olho para o cara ao meu lado, ele tava acordadão. Olhei no relógio, 19:00. A dor de barriga persistia mais forte. "Ah, quer saber? Vou tentar dormir."
Aí sentou uma menina toda vestida de rosa na poltrona da frente, com um piercing na sobrancelha e uma bolsa de marca. Puxou o discman da mala, colocou os fones no volume máximo e começou a ouvir "Check on it", da Beyoncé. Cheguei à conclusão de que nada pior podia acontecer, e brinquei de prender a respiração durante o resto da viagem.
Marcadores: a