Terror em Vila Gruta
Por Lipedal || 00:20:00 || 12 de jun. de 2006
Olá, leitores. Hoje vocês iam aprender como gastar as madrugadas fazendo avatares psicodélicos no Photoshop com apenas uns lens flares, um chrome e um plastic wrap, mas amanhã viajo às 7 da manhã e não quero ir dormir muito tarde. Então, seguindo a linha de terror que tem afetado o Dr. D desde o dia 06/06/06, vai aí o rascunho do script de um filme que eu e o Atomic vamos dirigir quando morarmos juntos e formos cineastas famosos.
A idéia da coisa é ser um filme de terror psicológico, realmente assustador, sem zumbis arrancando tripas nem massacradores portando serras elétricas (ou, como disse minha confusa irmã, "O Moto da Serra Elétrica"). A coisa ia ser sinistra, de fazer você não querer mais viajar à noite.
E já serve como Parte 2 desse post.
...
CENA 1: frente da Churrascaria Central.
O grupo de amigos encontrou-se na frente da Churrascaria Central. Alguém menos empolgado contou-os um a um. Estavam todos ali, despedindo-se de seus pais, recebendo a orientação de colocar os casaquinhos e trocar as cuecas, e prometendo que teriam juízo. Pelo visto suas malas não teriam, pois estavam todas portando dezenas de camisinhas, garrafas de vodca e baseados. Que feio, malas.
Entraram no ônibus, pequeno mas magicamente convidativo, e abanaram da janela para os parentes com uma mão, enquanto a outra já tirava as coisas das malas, antes que essas fizessem alguma besteira. Os pais foram entrando em seus carros e voltando para suas casas. Vítor, o colegas mais lúcido até o presente momento, derramava algumas lágrimas falsas ao abanar para sua avó. A outra mão desabotoava as calças.
Robson e Fernanda já gastavam o segundo pacote de preservativos sob um cobertor nas poltronas 37 e 38, ao passo que Letícia gastava as pontas dos dedos acomodada no divisor das poltronas 37 e 38.
Do lado de fora, os últimos acenos acompanharam o ônibus sumindo nas ruas escuras da cidade.
CENA 2: ônibus
Renata colocou um rock pesado no aparelho de som que Fábio trouxera, enquanto o rádio do motorista tocava alguma música sertaneja perfeita para se manter acordado durante a árdua noite de trabalho. A dor é inimiga do sono.
Humberto e Alberto, os gêmeos, faziam planos sobre quão divertida seria a estadia na Vila Gruta, em um casebre no meio do mato, exatamente como nos filmes de terror. Tati e Poliana não falam de boca cheia, mas a primeira fez um sinal positivo com a mão. Renata pediu uma garrafa vazia de vodca aos gêmeos.
As luzes do ônibus foram apagadas. O som foi aumentado. A paisagem perdeu suas luzes e a estrada tornou-se deserta. Alguém fez "oooohhh".
*a câmera sai por uma janela e circunda o ônibus em meio à névoa crescente*
Robson pediu um pano. Fernanda concordou com um "mmmm". Ninguém deu pano nenhum e eles continuaram a se mexer sob o cobertor. Deviam estar com frio. Uma música acabou e no momento de silêncio ouviu-se algo parecido com o balido de uma cabra na cabine do motorista. Depois algo relacionado a um pentelho e um paletó. A próxima música, em volume altíssimo, veio para alívio de todos.
*a música-tema de Silent Hill ou algo similar composto pelo Atomic começa a tocar*
Humberto e Alberto perguntaram-se quem havia colocado aquela música no CD. As faixas dos cinco discos tinham sido escolhidas a dedo pelos colegas, em plena aula de Física, e os gêmeos não lembravam daquela. Tati e Poliana não falam de boca cheia, mas a primeira fez um sinal positivo com a mão. Os gemidos cessaram e deram lugar a resmungos confusos relacionados à presença da música no CD. Alguém fez "oooohhh".
Os corpos se separaram, olhares foram trocados. O volume da música baixou por conta própria, enquanto a névoa do lado de fora ficava cada vez mais densa. Vítor, que tinha sido virgem até hoje e lúcido até há pouco, matutou consigo mesmo e chegou à conclusão de que era isso que acontecia no limbo pós-orgasmático. Lembrou do filme "De Olhos Bem Fechados" —ou era "De Pernas Bem Abertas"?— e achou que era hora de fumar. Tirou os baseados da mala de Laís, que estava de olhos bem fechados e de pernas bem abertas se arrepiando com a música, e passou para os colegas mais próximos.
A névoa começou a se dispersar, dando lugar a uma paisagem aterradora quando vista à noite ao som de uma música daquelas. O motorista achou que podia acelerar. O rádio dele parou com um clique esquisito. A música no som de Fábio ficou mais alta. O ônibus ficou mais rápido. Todos olharam para a estrada, preocupados. Tati e Poliana não olhavam para a estrada de boca cheia, mas a primeira fez um sinal de "puta merda, que medão" com a mão.
Subitamente, uma menina apareceu de ponta-cabeça, flutuando à frente do ônibus. Era branca como o luar e tinha cabelos espantosamente negros, vestia uma camisola rendada e parecia desafiar a gravidade com seu olhar inacreditavelmente fixo. A gravidade fugiu de pernas abertas. A garota tinha o olhar fixo no ônibus.
Antes que o motorista pudesse pensar em frear bruscamente, algo que seria muito desagradável a 120km/h, a garota pareceu sumir e se materializou dentro do veículo, atravessando-o a uma velocidade incrível e sumindo novamente no fim do corredor. Os baseados apagaram. Os cobertores estremeceram. Tati e Poliana não desmaiavam de boca cheia, mas suas mãos desfaleceram. A música chegou ao clímax.
O motorista, que tinha assistido filmes de terror suficientes pra saber que todo motorista que pára para ver o que aconteceu com a garota se fode, afundou o pé no acelerador, querendo chegar a algum lugar o mais rápido possível. Na verdade ele não queria chegar a lugar nenhum. Não queria nem desgrudar a bunda do assento. Queria era correr o mais rápido possível pra ver se amanhecia logo ou algo assim. Mas agora era tarde demais.
Nos assentos, os jovens olhavam boquiabertos uns para os outros, sem força para gritar nem para olhar uns para os outros. Vítor olhava para o baseado e resmungava "nó, que maaaassa!". O volume da música foi ficando mais alto ainda, chegando na parte em que uma derrapada encerra a melodia bruscamente.
O motorista achou que tinha derrapado, foi ajeitar a coisa e capotou o ônibus. Todos morreram. Fim.
...
Tá, deus ex machina é sacanagem, se essa expressão é mesmo o que o Atomic me explicou. Então espera.
...
CENA 3: cidade nevoenta fora do ônibus em ruínas
Apenas Laís sobreviveu com apenas um corte. Sua empolgação com a música a fizera ficar extremamente agarrada ao banco, só se cortou porque tomou uma dentada de Fábio no momento da capotada. Questões éticas impedem o autor de dizer onde foi o corte.
Laís estremeceu. Saiu pela janela querendo acreditar que era tudo um sonho, e dos piores. Mas era tudo real demais. A névoa lambia sua face esfolada e seu corte. Estremeceu. Deu alguns passos para fora olhando ao longe. Podia-se ver uma cidade, toda em ruínas, coberta por uma cortina branca e gélida. Tropeçou, perdeu o pé nas ferragens e morreu de tétano alguns dias depois.
...
Agora sim.
Aos que acharam curto, não se preocupem. As duas últimas linhas podem muito bem estender o filme por uma hora e meia. Só preciso assistir a morte de Boromir em "A Sociedade do Anel" mais umas vezes e pegar as manhas com Peter Jackson.
A idéia da coisa é ser um filme de terror psicológico, realmente assustador, sem zumbis arrancando tripas nem massacradores portando serras elétricas (ou, como disse minha confusa irmã, "O Moto da Serra Elétrica"). A coisa ia ser sinistra, de fazer você não querer mais viajar à noite.
E já serve como Parte 2 desse post.
CENA 1: frente da Churrascaria Central.
O grupo de amigos encontrou-se na frente da Churrascaria Central. Alguém menos empolgado contou-os um a um. Estavam todos ali, despedindo-se de seus pais, recebendo a orientação de colocar os casaquinhos e trocar as cuecas, e prometendo que teriam juízo. Pelo visto suas malas não teriam, pois estavam todas portando dezenas de camisinhas, garrafas de vodca e baseados. Que feio, malas.
Entraram no ônibus, pequeno mas magicamente convidativo, e abanaram da janela para os parentes com uma mão, enquanto a outra já tirava as coisas das malas, antes que essas fizessem alguma besteira. Os pais foram entrando em seus carros e voltando para suas casas. Vítor, o colegas mais lúcido até o presente momento, derramava algumas lágrimas falsas ao abanar para sua avó. A outra mão desabotoava as calças.
Robson e Fernanda já gastavam o segundo pacote de preservativos sob um cobertor nas poltronas 37 e 38, ao passo que Letícia gastava as pontas dos dedos acomodada no divisor das poltronas 37 e 38.
Do lado de fora, os últimos acenos acompanharam o ônibus sumindo nas ruas escuras da cidade.
CENA 2: ônibus
Renata colocou um rock pesado no aparelho de som que Fábio trouxera, enquanto o rádio do motorista tocava alguma música sertaneja perfeita para se manter acordado durante a árdua noite de trabalho. A dor é inimiga do sono.
Humberto e Alberto, os gêmeos, faziam planos sobre quão divertida seria a estadia na Vila Gruta, em um casebre no meio do mato, exatamente como nos filmes de terror. Tati e Poliana não falam de boca cheia, mas a primeira fez um sinal positivo com a mão. Renata pediu uma garrafa vazia de vodca aos gêmeos.
As luzes do ônibus foram apagadas. O som foi aumentado. A paisagem perdeu suas luzes e a estrada tornou-se deserta. Alguém fez "oooohhh".
*a câmera sai por uma janela e circunda o ônibus em meio à névoa crescente*
Robson pediu um pano. Fernanda concordou com um "mmmm". Ninguém deu pano nenhum e eles continuaram a se mexer sob o cobertor. Deviam estar com frio. Uma música acabou e no momento de silêncio ouviu-se algo parecido com o balido de uma cabra na cabine do motorista. Depois algo relacionado a um pentelho e um paletó. A próxima música, em volume altíssimo, veio para alívio de todos.
*a música-tema de Silent Hill ou algo similar composto pelo Atomic começa a tocar*
Humberto e Alberto perguntaram-se quem havia colocado aquela música no CD. As faixas dos cinco discos tinham sido escolhidas a dedo pelos colegas, em plena aula de Física, e os gêmeos não lembravam daquela. Tati e Poliana não falam de boca cheia, mas a primeira fez um sinal positivo com a mão. Os gemidos cessaram e deram lugar a resmungos confusos relacionados à presença da música no CD. Alguém fez "oooohhh".
Os corpos se separaram, olhares foram trocados. O volume da música baixou por conta própria, enquanto a névoa do lado de fora ficava cada vez mais densa. Vítor, que tinha sido virgem até hoje e lúcido até há pouco, matutou consigo mesmo e chegou à conclusão de que era isso que acontecia no limbo pós-orgasmático. Lembrou do filme "De Olhos Bem Fechados" —ou era "De Pernas Bem Abertas"?— e achou que era hora de fumar. Tirou os baseados da mala de Laís, que estava de olhos bem fechados e de pernas bem abertas se arrepiando com a música, e passou para os colegas mais próximos.
A névoa começou a se dispersar, dando lugar a uma paisagem aterradora quando vista à noite ao som de uma música daquelas. O motorista achou que podia acelerar. O rádio dele parou com um clique esquisito. A música no som de Fábio ficou mais alta. O ônibus ficou mais rápido. Todos olharam para a estrada, preocupados. Tati e Poliana não olhavam para a estrada de boca cheia, mas a primeira fez um sinal de "puta merda, que medão" com a mão.
Subitamente, uma menina apareceu de ponta-cabeça, flutuando à frente do ônibus. Era branca como o luar e tinha cabelos espantosamente negros, vestia uma camisola rendada e parecia desafiar a gravidade com seu olhar inacreditavelmente fixo. A gravidade fugiu de pernas abertas. A garota tinha o olhar fixo no ônibus.
Antes que o motorista pudesse pensar em frear bruscamente, algo que seria muito desagradável a 120km/h, a garota pareceu sumir e se materializou dentro do veículo, atravessando-o a uma velocidade incrível e sumindo novamente no fim do corredor. Os baseados apagaram. Os cobertores estremeceram. Tati e Poliana não desmaiavam de boca cheia, mas suas mãos desfaleceram. A música chegou ao clímax.
O motorista, que tinha assistido filmes de terror suficientes pra saber que todo motorista que pára para ver o que aconteceu com a garota se fode, afundou o pé no acelerador, querendo chegar a algum lugar o mais rápido possível. Na verdade ele não queria chegar a lugar nenhum. Não queria nem desgrudar a bunda do assento. Queria era correr o mais rápido possível pra ver se amanhecia logo ou algo assim. Mas agora era tarde demais.
Nos assentos, os jovens olhavam boquiabertos uns para os outros, sem força para gritar nem para olhar uns para os outros. Vítor olhava para o baseado e resmungava "nó, que maaaassa!". O volume da música foi ficando mais alto ainda, chegando na parte em que uma derrapada encerra a melodia bruscamente.
O motorista achou que tinha derrapado, foi ajeitar a coisa e capotou o ônibus. Todos morreram. Fim.
Tá, deus ex machina é sacanagem, se essa expressão é mesmo o que o Atomic me explicou. Então espera.
CENA 3: cidade nevoenta fora do ônibus em ruínas
Apenas Laís sobreviveu com apenas um corte. Sua empolgação com a música a fizera ficar extremamente agarrada ao banco, só se cortou porque tomou uma dentada de Fábio no momento da capotada. Questões éticas impedem o autor de dizer onde foi o corte.
Laís estremeceu. Saiu pela janela querendo acreditar que era tudo um sonho, e dos piores. Mas era tudo real demais. A névoa lambia sua face esfolada e seu corte. Estremeceu. Deu alguns passos para fora olhando ao longe. Podia-se ver uma cidade, toda em ruínas, coberta por uma cortina branca e gélida. Tropeçou, perdeu o pé nas ferragens e morreu de tétano alguns dias depois.
Agora sim.
Aos que acharam curto, não se preocupem. As duas últimas linhas podem muito bem estender o filme por uma hora e meia. Só preciso assistir a morte de Boromir em "A Sociedade do Anel" mais umas vezes e pegar as manhas com Peter Jackson.
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